
Universo, me belisca...eu ganhei mesmo? A Singer Brasil comemorou 160 anos com um concurso no qual pedia para conhecer "histórias de vida em que a máquina de costura ajudou a bordar os caminhos das pessoas" como bem falou meu amigo Luiz Cláudio Lins. Mandei -nos últimos dez minutos do último dia da última etapa- uma versão mais completa de um texto que eu já havia publicado aqui no blog contando minha vida com Singer...e ganhei! Alegria demais, demais...A Singer me deu uma máquina maravilhosa. Quem me conhece sabe que costuro na Super zig zag da década de 60 que a Betinha me emprestou...então, nem tenho como falar da minha gratidão à sorte, aos meus pais pelo exemplo e à Singer. Gratidão ♥
O texto:
Trabalhar com o coração
Caçula de uma família numerosa, cresci vendo meus pais trabalharem com o coração – e as tripas!- em numerosas atividades: além do emprego formal de meu pai em um almoxarifado de empresa, ele e minha mãe inventavam cotidianamente formas de ampliar a renda, saindo de madrugada numa lambretinha para buscar jornais para o dono de uma banca de revista, fazendo pão caseiro para a vizinhança, lavando copos no estádio do Atlético em dia de jogo... sem dramas, sem traumas, sem achar que era demais. E com leveza no trabalho duro eram passados os dias, os filhos participando de tudo, ajudando, e eu a caçulíssima, pelas bordas assistindo este teatro de fazer e ganhar, de cansar e dormir, de acabar e recomeçar.
Mas de todas as modas inventadas para ganhar um a mais a cada mês, era ao pé da Singer que eu assistia as maiores mágicas acontecerem: cortinas, aventais, vestidos e eventuais guarda-pós em encomendas enormes para alguma “firma” iam se formando diante dos olhos, e gerando aqueles resíduos que são tudo para uma imaginação de criança: pedaços de fio, restos de tecido, botões quebrados. Era, sobretudo, este resto do trabalho que me atraía. Em algumas ocasiões os fiozinhos saiam conosco de casa, pendurados em nossos casacos e cabelos, ou se espalhavam por toda a pequena casa, não obstante o desvelo de minha mãe e sua vassoura, tentando manter a ordem. “Viver deixa fiapos”, dizia meu pai com aquele sotaque nordestino que mesmo depois de 30 anos de migração ao sul ainda persistia. E eu achava graça, sem entender direito a idéia de transformação e movimento inserida nesta frase.
A sociedade de meus pais no grande empreendimento de sobreviver e criar os filhos era de uma sintonia admirável, ele riscava e cortava os moldes, ela montava e costurava as peças. Os filhos embalavam, cortavam os fiozinhos, pregavam botões. Menos eu, sempre poupada a contragosto, pois queria fazer parte da mágica também. – Não, você é muito pequena e além do mais não quero isso para você. Você vai é ser doutora e não terá que passar horas em cima de uma máquina de costura para viver. Então só me restava olhar e sonhar com uma Singer só pra mim...
O empenho resultou em casa própria, uma Brasília 79, todos os filhos criados e crescidos na ética do trabalho. Nenhum de nós precisando passar horas sobre a máquina de costura para viver...mas nem tudo se dá nesta vida pela ordem da necessidade, há ainda a vontade, pura e simples.
Movida simplesmente pela vontade me vi, já adulta tentando aprender a costurar na velha Singer Super-zig-zag que tomei emprestada de uma amiga. Queria aprender pelo prazer de saber fazer, pela vontade de gerar fiapos em minha própria casa e de torná-la um lar de trabalho e calor. Aprendi no ano passado a costurar timidamente: os vieses tortos, as barras irregulares; para que pouco a pouco as peças começassem a ficar bonitas.
Quando na volta de minha licença maternidade perdi um emprego excelente (no qual eu também punha o coração) tomei uma decisão radical: viveria 2010 de maneira econômica usando meu FGTS para poder estar em casa com meu filho, estudaria para finalmente realizar o presságio de meu pai e fazer o doutorado e transformaria o hobby da costura em uma forma alternativa de renda. E assim foi: com leveza, sem dramas, sem achar que era demais reinventei meu cotidiano, passei na seleção do doutorado, costurei com meu bebê ao lado - brincando sobre o quilt que eu fiz para ele, participei com todo orgulho de minha primeira feira de artesanato, tendo como ajudantes minhas duas filhas mais velhas...enfim, me vi naquela música ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais- e posso dizer: ainda bem que sim.
Hoje a Singer me ajuda novamente a encontrar o amor e a humanidade em meio às demandas do mundo: agora nós duas, eu e ela, com a ajuda de mais muitas artesãs conseguimos unir 150 pessoas em uma corrente de amor e costura, fazendo bonecas pelas crianças de Pinheirinho. De novo, trabalhando com o coração. Olha aqui: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1224091&tit=Bonecas-feitas-a-mao-para-criancas-de-ocupacao-de-SP